Dr. João Carlos Pereira Gomes
Dra. Célia Y. Portiolli Faelli
Dr. Hong Jin Pai
O mundo está envelhecendo. Nas últimas décadas, a terceira idade é o grupo populacional que mais cresce nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mas o que significa envelhecer? Ficar mais velho não é apenas sentir o tempo passar; nem significa virar doente. Problemas de saúde podem aparecer, mas há soluções. Se tiverem hábitos saudáveis e procurarem se manter ativas física e intelectualmente poderão ter um envelhecimento saudável com boa qualidade de vida, minimizando as alterações próprias da idade e prevenindo doenças que incidem mais após os 60 anos.
O organismo do idoso tem menor capacidade de adaptação e demora mais tempo para recuperar-se que um organismo mais jovem. A incidência de várias doenças é maior nas pessoas com mais de 60 anos, e a presença de mais de uma doença é freqüente. O uso concomitante de vários medicamentos e a redução da função dos órgãos, em especial do fígado e dos rins, aumentam o risco de efeitos indesejáveis dos medicamentos e de intoxicações.
Essa é uma das razões porque a acupuntura potencialmente teria um papel importante no tratamento do idoso. Como ela praticamente não tem contra-indicação e tem efeitos benéficos na redução da dor, na ansiedade, no sono, nos sintomas de depressão leve entre outros, possibilitaria ao idoso reduzir a quantidade de medicação, diminuindo também os seus vários efeitos colaterais, como por exemplo a gastrite desencadeada pelos antiinflamatórios, proporcionando ainda uma melhor qualidade de vida.
A acupuntura é utilizada há milênios no tratamento de doenças. No idoso, especialmente no idoso frágil, o tratamento por acupuntura tem peculiaridades. Um dos principais preceitos de acupuntura recomenda aplicá-la conforme as condições da pessoa. Idosos frágeis e crianças devem ser agulhados com menor profundidade de inserção e por menos tempo. Estimulação excessiva pode cansar o paciente. A moxabustão, ou estimulação de pontos de acupuntura através de calor gerado pela queima de uma erva chamada artemísia, pode ser indicada para fortalecer o organismo. Não se recomenda o uso da acupuntura em certas situações extremas, como desidratação, hemorragia severas, nem em pessoas muito debilitadas, famintas ou que comeram recentemente, muito sedentas ou muito assustadas. O idoso pode responder mais lentamente ao tratamento.
A acupuntura hoje é reconhecida como especialidade médica. A medicina moderna tenta desvendar os mecanismos da acupuntura e comprovar cientificamente suas diversas aplicações no ser humano. Em 1997, o National Institute of Health (NIH), o principal instituto de saúde americano, realizou conferência de consenso sobre o uso e eficácia de acupuntura na prática médica reconhecendo sua utilidade como tratamento complementar no manejo de fibromialgia, epicondilite, osteoartrite, lombalgia, síndrome do túnel do carpo, reabilitação de AVC (acidente vascular cerebral), cefaléias, cólicas menstruais, asma, dor dental pós-operatória, náuseas e vômitos pós-operatórios e pós-quimioterapia. Outros problemas como tensão pré-menstrual, rinites, síndrome do cólon irritável, estresse, herpes zoster e neuralgia pós-herpética, hérnia de disco, obesidade e parar de fumar podem ser tratados conjuntamente com acupuntura.
Destacamos três áreas de atuação da acupuntura em geriatria: dor, reabilitação de AVC e terapia adjuvante em doenças diversas, como depressão leve, câncer e doenças respiratórias. Entretanto, sempre é bom ressaltar que é fundamental procurar o diagnóstico ou os diversos diagnósticos pela medicina ocidental e tratá-los devidamente para otimizar os resultados e não mascarar doenças severas.
O saudável, o frágil e doenças associadas
A população idosa é muito heterogênea. Há idosos ativos e produtivos aos 70-80 anos e idosos com a mesma idade totalmente dependentes para as atividades de vida diária. Além das alterações fisiológicas próprias da idade, é freqüente a ocorrência de mais de uma doença no indivíduo idoso. Diabetes não-insulino dependente, hipertensão arterial, doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência coronariana, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência arterial periférica, acidente vascular cerebral (AVC), doença de Parkinson e demências, osteoartrite (OA) e osteoporose, depressão, catarata, glaucoma, surdez e câncer são algumas delas com prevalência acima dos 60 anos.
Podemos classificar os idosos em três grupos, conforme sua condição geral de saúde: idosos saudáveis (60 a 75% dos idosos), idosos doentes cronicamente (20 a 35%) e idosos frágeis (2 a 10%).
Os idosos saudáveis têm doença crônica mínima ou não tem doença crônica, e são funcionalmente independentes.
Os idosos cronicamente doentes têm muitas doenças não curáveis, geralmente são funcionalmente independentes ou minimamente dependentes, freqüentemente tomam vários medicamentos, e ocasionalmente são hospitalizados.
Os idosos frágeis têm muitas doenças crônicas severas, são funcionalmente dependentes e perderam muito de sua reserva fisiológica.
A medicina tradicional chinesa e o envelhecimento bem sucedido
Há séculos a medicina tradicional chinesa (MTC) preocupa-se com o envelhecimento. Segundo o Nei Jing, principal tratado de MTC escrito há cerca de 2500 anos, o homem começa a envelhecer gradualmente a partir dos 40 anos. Para manter a saúde, é recomendado um modo de vida constante e regular com quantidades adequadas de trabalho e repouso, evitar excessos de qualquer espécie (de alimentos, álcool, trabalho, sexo), praticar exercícios adequados à constituição física do corpo, manter o espírito calmo e atitude positiva perante a vida, e estar atento e procurar adaptar-se às mudanças climáticas.
Seguindo estes preceitos o indivíduo preveniria doenças, fortaleceria o organismo e poderia chegar até aos 100 anos. Estes preceitos milenares são válidos e atuais até hoje, e são a chave do envelhecimento bem sucedido.
A Dor nos idosos
Dor é uma das queixas mais comuns de idosos relatadas durante consultas médicas. Pacientes acima de 60 anos queixam-se duas vezes mais de dor que pacientes com menos de 60 anos. Estudos sugerem que 25-50% de idosos sofrem de dor crônica e que 45 a 80% de pacientes institucionalizados tem dor substancial, muitas vezes subtratada. A dor crônica pode comprometer a qualidade de vida do paciente e cursar com depressão, fadiga, diminuição de socialização, falta de apetite, distúrbios de sono, diminuição de ambulação, distúrbios de marcha e polifarmácia (uso de mais de um medicamento para atingir um objetivo terapêutico). O tratamento pode ser por vezes inadequado pela dor ser subestimada pelo médico, pelo receio do médico de induzir adição a analgésicos, e também ser complicado por efeitos colaterais de medicamentos em pacientes mais suscetíveis e por interações medicamentosas inadvertidas.
No idoso são freqüentes as dores articulares, as dores musculares, muitas vezes associadas à osteoartrite, as neuropatias periféricas, as dores por câncer, as coronariopatias, bem como dores isquêmicas por doença vascular periférica e cãibras em membros inferiores. Patologias típicas da terceira idade, como arterite temporal e polimialgia reumática devem ser lembradas na investigação de cefaléias e de dores difusas pelo corpo, respectivamente.
Freqüentemente o idoso tem mais de uma queixa dolorosa. Pesquisa com 58 idosos candidatos ao Grupo de Atendimento Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial (Gamia) do Hospital das Clínicas/ FMUSP revelou que 46 (79,3%) candidatos referiam dor, dos quais 16 (34,7%) referiam dor em uma localização, 17 (36,9%) duas dores e 13 (28,4%) três ou mais queixas dolorosas.
O tratamento da dor tem como objetivos clínicos: tratar especificamente sua causa, reduzir a dor, melhorar a capacidade funcional, o sono, o humor e a socialização do paciente. Na seleção dos tratamentos é de suma importância considerar a causa e o mecanismo fisiopatológico envolvido, o estado funcional e emocional do paciente, suas condições clínicas e doenças associadas, e o tratamento em si. No caso de tratamento medicamentoso, considerar a farmacologia da droga a ser usada.
Naqueles casos em que a causa da dor não é remediável ou é parcialmente tratável, freqüentemente está indicado abordagem multidisciplinar. Estratégias farmacológicas e não farmacológicas combinadas geralmente resultam em melhor controle da dor com doses menores de medicamentos e menos efeitos colaterais. A acupuntura é extremamente útil neste contexto. Diversos estudos mostram sua utilidade no tratamento de pacientes idosos com osteoartrose e dor no joelho, lombalgia, artrose de articulação coxo-femoral, síndrome dolorosa miofascial cervical, dorsal e do ombro.
Pacientes portadores de neuropatias diabética, do trigêmeo e pós-herpética também podem se beneficiar do tratamento com acupuntura. Os resultados mostram redução na intensidade e freqüência da dor, melhora na qualidade de vida, no sono, e diminuição na quantidade de medicamentos utilizados.
Doenças comuns na Geriatria podem ser tratadas pela Acupuntura
O acidente vascular cerebral (AVC), muitas vezes erroneamente chamado de derrame cerebral, é uma causa comum de incapacidade no idoso. O AVC pode ser de originário da diminuição do fluxo sangüíneo (isquemia) ou hemorrágica.
A Organização Mundial de Saúde considera desde 1979 a paresia (diminuição de força) pós AVC uma condição clínica possível de tratamento por acupuntura. A acupuntura mostrou-se efetiva na redução de severidade da paresia, dependendo da localização e da extensão do AVC. A acupuntura pode ser benéfica tanto para os casos agudos como crônicos de AVCs, especialmente se associada com fisioterapia. Melhores resultados são observados quando a acupuntura é instituída dentro de 24 a 36 horas após o episódio do acidente isquêmico. Nos casos de acidente hemorrágico, é recomendado esperar até que o sangramento tenha sido controlado e o quadro estabilizado, em geral após duas a três semanas.
O tratamento consiste em pelo menos 3 sessões semanais nos casos agudos e 2 vezes por semana nos casos crônicos, num total de 20 a 40 tratamentos, durante mais ou menos 2 meses. Pode ser potencializado com estimulação elétrica. A técnica de acupuntura escalpeana, ou agulhamento do couro cabeludo, também é utilizada no tratamento de AVC com bons resultados.
A depressão é uma doença freqüente no idoso. O quadro clínico caracteriza-se por ansiedade, expressa por medo intenso sem que haja uma causa objetiva, perda de interesse ou prazer nas atividades habituais e passatempos, irritabilidade, tristeza, cansaço ou fadiga, perda de energia, diminuição da auto-estima, falta de esperança, idéias de culpa, indecisão, queixas somáticas, pensamento lento, diminuição da atenção e da memória, alterações do sono, do apetite, diminuição do interesse sexual e, nos casos graves, pensamentos recidivantes de morte e suicídio. O diagnóstico da depressão é difícil na maioria das vezes, pois nem sempre se apresenta de maneira clara. A depressão pode ser secundária a outras doenças, como hipotireoidismo, câncer e demência, além de efeito colateral de certos medicamentos.
O tratamento da depressão envolve psicoterapia e tratamento medicamentoso. A maioria dos antidepressivos provoca efeitos colaterais como tonturas, sonolência, prisão de ventre, excitação emocional, variações do apetite, secura na boca, taquicardia, alteração do sono, retenção urinária e até dependência física ou psíquica, entre outros. No idoso, a diminuição das funções fisiológicas inerente ao envelhecimento associada à presença de várias doenças simultâneas e seus tratamentos específicos aumenta a chance de interações medicamentosas e de efeitos colaterais. Mesmo assim, os medicamentos são o tratamento mais eficaz.
A acupuntura, quando associada à terapia medicamentosa e ou apoio psicológico, pode apresentar efeitos benéficos adicionais na redução de sintomas da depressão leve e da ansiedade, como abreviar o tempo de melhora de sintomas depressivos, já que os antidepressivos demoram duas a quatro semanas para aliviar a depressão. Nos casos leves pode diminuir o uso de drogas e conseqüentemente diminuir as complicações advindas dos medicamentos. A duração e a freqüência do tratamento variam conforme a gravidade e características do indivíduo. Estudo alemão recente com 43 pacientes com depressão menor e 13 pacientes com ansiedade generalizada demonstrou melhora de 60,7% e 85,7%, respectivamente, após pelo menos 10 aplicações.
Pacientes com câncer ou com sintomas secundários à radio ou quimioterapia podem beneficiar-se da associação da acupuntura ao tratamento do câncer no alívio destes sintomas. Entre agosto de 1999 e maio de 2000, 123 pacientes receberam acupuntura em centro oncológico americano. As principais indicações de acupuntura foram dor (53%), xerostomia – boca seca- (32%), ondas de calor (6%) e náuseas ou perda de apetite (6%). Não houve efeitos colaterais e 60% dos pacientes tiveram melhora de pelo menos 30% na intensidade dos sintomas. Outros estudos mostraram bons resultados no tratamento de xerostomia.
A asma e bronquite crônica também podem ser tratadas em associação com acupuntura. Estudos preliminares demonstraram benefício adicional da acupuntura em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), inclusive nos pacientes com dispnéia severa, ensejando futuros estudos. A acupuntura também pode ser utilizada no tratamento de disfunção sexual masculina e de incontinência urinária.
Atualizado em 08/03/2016