Os dois séculos de imigração para o Brasil, o crescimento da presença econômica e quase 20% de participação nas exportações brasileiras — incluindo 80% da soja e negócios anuais de US$ 53 bilhões — ainda são insuficientes para aprofundar nossa aproximação cultural com a China moderna. Apesar de expressões como gastronomia, artes marciais ou cuidados com a saúde, questões como o domínio chinês em áreas como aplicativos e outras de tecnologia de ponta, só para citar alguns exemplos, mantêm-se distantes do cotidiano brasileiro.
Hoje, a estimativa de Sun Renan, cônsul geral adjunto da China em São Paulo, é de que a população chinesa no Brasil some cerca de 350 mil pessoas. “Em São Paulo, são 270 mil”, diz. David Jye Yuan Shyu, professor aposentado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), descreve o movimento de imigração em quatro fases. Em 1809, o rei D. João VI trouxe chineses para o plantio de chá.
Em São Paulo, onde se concentram 90% dos chineses no país, a primeira chegada data de 1907. As guerras e o estabelecimento do regime comunista estimularam a emigração em meados do século 20. A retomada das relações com a China, em 1976, gerou uma terceira onda nas décadas de 1980 e 1990, com interessados em áreas como comércio, importação e exportação.
O movimento mais recente se destaca por agregar aos comerciantes imigrantes altamente qualificados, em áreas que vão de gestão a tecnologia, serviços e ensino. Criadora do Centro de Intercâmbio Econômico e Comercial Brasil China, Mônica Fang é um exemplo dessa transformação. Estabeleceu-se no país em 1990 e de lá para cá, com a chegada de toda a família, atuou com comércio, restaurante, importação e exportação e, agora, dedica-se a estimular negócios entre empresas – colaborou com a chegada da CCCC e da China Railways à Bahia e apoia exportações do agrobusiness — e a projetos como Futebol Escola, iniciado pelo governo chinês em 2014. “No ano que vem devemos receber 25 jovens para treinar no Brasil”, diz. “Como a população chinesa é imensa e a desigualdade social também, há o imigrante em busca de oportunidade e aquele com viés de mundo globalizado”, pondera Thomas Law, advogado, autor de livros como O Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras no Brasil e presidente do Instituto Sociocultural Brasil China (Ibrachina).
Ele lembra que a presença chinesa cresceu fortemente com o interesse de grandes empresas em áreas como energia, infraestrutura e indústria. Um destaque recente é a chegada de companhias do universo digital, como Huobi e Coinbene, respectivamente terceira maior bolsa e uma das 30 principais exchanges de criptomoedas do mundo. Para Oliver Stuenkel, coordenador do MBA de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autor de “O Mundo Pós-Ocidental” (Zahar, 2018), comparado a outros países, a presença cultural chinesa é tímida no país. “A opinião pública ainda não se deu conta da transformação econômica asiocêntrica, já percebida em outros países”, avalia. Segundo ele, além da distância, a acomodação intelectual dificulta a aproximação do lado de cá, enquanto a limitação da liberdade de expressão comprime o espaço para a inovação cultural chinesa e sua difusão. “A cultura chinesa tem 5 mil anos, mas é impactada pelo sistema fechado”, afirma.
A mudança pode ocorrer com a chegada de aplicativos. “Cartão de plástico e estação de bicicleta na China são coisas de roça. Quando os jovens conhecem os aplicativos chineses o eixo de influência cultural muda.” Mesmo assim, traços culturais chineses se disseminam por aqui.
Na medicina, onde especialidades como acupuntura já são incluídas em planos de saúde pública e privada, só o Centro de Estudo Integrado de Medicina Chinesa (Ceimec) já formou mais de 2 mil médicos desde 1990. Um dos professores é o Dr. Johnny Tah Ji Ng, especialista formado pela Universidade de São Paulo e filho do mestre de kung fu Ng Sh Chun, chinês que aportou no Brasil nos anos 1970 com dez anos, quase perdeu os movimentos e se recuperou graças às agulhas. “A procura está crescendo muito”, diz.
A chegada do Instituto Confúcio, convênio entre governo e universidades chineses e instituições como Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) e Fundação Armando Álvaro Penteado (Faap), aumentou a oferta de cursos de língua e cultura chinesa no Brasil. “São perto de 200 alunos”, diz a professora chinesa Xiaoyu Wang, de 29 anos. O templo budista Zu Lai em Cotia (SP) é outro exemplo. Liderado pela abadessa Miao Yen, oferece atividades em mandarim e português que vão da prática de meditação ao estudo de tai chi chuan e budismo e recebe mais de 50 mil visitantes a cada ano.